EU, A ESQUERDA, MAIO DE 77 E OS ASSASSINOS

“Miserável país aquele que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis.” (Bertold Brecht). Teimosamente, lágrimas de 1977 ainda escorrem pelas minhas montanhas faciais, em Maio de 2024. Talvez, uma das razões seja a de assistir impávido e sereno, à ascensão de indigentes intelectuais e, muitos assassinos, nos corredores do poder, determinando, negativamente, os destinos do país e, discriminatoriamente, a vida de milhões de autóctones.

Por William Tonet

O mês de Maio é, para uma grande maioria de angolanos, de profunda reflexão. Reflexão, face ao genocídio ocorrido no 27 de Maio de 1977, em que o líder de uma ideologia indefinida, Agostinho Neto e os seus caciques, decidiram institucionalizar a barbárie de Estado, cuja responsabilização não pode morrer no esquecimento ou solteira.

Até hoje, desconseguimos alavancar o bom senso e razoabilidade sobre a verdade histórica, que marcou o que deveria ser o nascimento de um país republicano ao invés de partidocrata e intolerante.

Por isso hoje, 27 de Maio, que foi em 1977 fatídico para milhões, não deixo de recordar uma data marcante: 19 de Julho de 1977, quando um homem, trajando uniforme verde-caqui, na esquina do 1.º de Maio, afrouxa o Land Rover e, de forma arrogante ordena a minha prisão. Carlos Jorge Cajó foi o meu algoz.

Prendeu, torturou, colocou-me em prisão nas instalações da Força Aérea e da Tourada, por isso jamais sairá da minha biblioteca mental. Um verdadeiro assassino feito herói nacional, com direito a publicação em Diário da República.

Conheci este “monstro humano”, no Campo Prisional de São Nicolau, tratávamo-nos de “canoa” e nunca imaginei na frieza e indiferença para com a vida de pessoas que tão bem conhecia, como o caso de Kiferro, que antes de o matar, queimou-lhe os olhos com charuto havano, atirando-o, depois numa pocilga de porcos, no bairro Sambizanga.

No meu caso, depois de várias torturas, ensanguentado, numa sala grande, onde espancavam os presos, ordena que limpasse o chão “inundado” de sangue, urina e sujeiras de várias pessoas, com a língua. Fi-lo, sem outra hipótese…

Jamais esquecerei este episódio e nunca farei o sugerido no slogan da CIVICOP: abraçar e perdoar, sem que antes possa estar diante do meu algoz e saber das razões de tanta desumanidade.

Bárbaro, mas em Maio de 2024 é dever dos autóctones defenderem a necessidade de uma nova Angola, genuína, capaz de proteger em primeiro plano, os vários povos e micronações do nosso mosaico multicultural, étnico, racial e linguístico, para nos afastarmos dos algozes e os antigos esquadrões da morte, que se vêem rejuvenescendo.

Não devido ao mérito mental, mas pelo controlo truculento do arsenal militar. A brutalidade, selvajaria e sacanagem política continuam em vigor, tal como em 1977 e, tal como vaticinou o herói do genocídio, Agostinho Neto, continuam “a não perder tempo com julgamento”.

Os algozes, em todas as épocas, ganham tempo com os assassinatos, enterros em valas comuns e torturas, agora com a máxima: “a polícia não está para distribuir rebuçados nem chocolates”! Sim, camarada Laborinho, rememorando práticas, recorridas, em 1977, para torturar e matar, muitos dos meus camaradas de infortúnio.

São pessoas torpes, de baixo coturno, que escudados nas instituições castrenses, como a DISA, polícia política de Neto, valiam-se, e ainda se valem, delas para o cometimento de crimes hediondos, que hoje os leva, porque nunca julgados, a atentar contra a incipiente democracia.

E aproveitando-se da falta de instituições de soberania fortes, o ascendente do partido no poder, o mesmo há 49 anos, o controlo dos órgãos militares, policiais e da Segurança de Estado, o país vive um momento trágico, capaz de gerar uma tragédia maior, o do surgimento de uma ditadura superior a de 1977 para atender um eventual “terceiro mandato presidencial”, ao arrepio do n.º 2 do art.º 113.º CRA.

Em Maio de 2024 continuo a assistir à glorificação de falsos deuses, do ódio, raiva, mentiras e injúrias, contra inocentes e sobreviventes do holocausto angolano, perpetrado pelo MPLA/Agostinho Neto, mas continuam agora, a hastear, publicamente, as bandeiras das ameaças e da força da violência de que são capazes, como prender, torturar, assassinar, violar domicilio, ameaçando os ocupantes, colocando-os em sobreaviso de terem o controlo de todos movimentos, logo a vida de qualquer opositor ou contestatário está na mira das suas armas assassinas.

Que país se orgulha de ter algozes que se sentem capazes de destruir, sempre, através da fraude e violência, a frágil coluna vertebral da incipiente liberdade, democracia e sonhos dos angolanos. É preciso resiliência para Angola não soçobrar.

Diante deste dilema, a quem pedir socorro se as instituições castrenses não oferecem credibilidade aos cidadãos? A procissão da tragédia desfila diante de todos, em tons provocadores, com aqueles que juraram cumprir e fazer cumprir a Constituição mas são os primeiros a violá-la.

Diante deste quadro dantesco, exige-se que se faça da fragilidade força, afastando-se a covardia de quem podendo, apenas se indigna, vocifera e se sente herói, apenas, quando sentado numa pia do WC, mas que regressa à santa covardia ao levantar-se e apertar no autoclismo, quando é preciso fazer-se muito mais, quando o país está a ser assaltado por forças externas e a soçobrar.

NZAMBY NÃO DORME MAS DESCONSEGUE O MPLA

O caos em que está Angola mergulhada, nem Nzamby dos céus africanos, com a sua sublime magistratura consegue descrever a barbárie implantada por Agostinho Neto e corja de assassinos, em 1975 e que perdura até aos dias de hoje, pese serem, intelectualmente, indigentes, que até a própria Lei Constitucional (10.11.75) desrespeitaram, em nome e homenagem a um vampirismo inqualificável, mas que não prescreve.

Eu, na época, já sabia ler. Lá, nas normas constitucionais, não está plantada a pena de morte, julgamentos, sem direito ao contraditório, ausência do justo processo legal e direito a advogado. Logo, tendo Agostinho Neto agido em sentido contrário, cometeu um crime de genocídio, imprescritível, e, em função do quantum, da forma e violência repressiva, a um holocausto, como os dos ocidentais, praticados aquando da escravatura e colonialismo, em África, América Latina, Ásia e Médio Oriente.

Hoje, quando oiço muitos dirigentes do MPLA, incluindo juristas e intelectuais, falarem de pena de morte, indigno-me por constatar ser esta gentalha analfabeta e da tribo do mal, porquanto, nunca leram, sequer o instrumento jurídico – constitucional (Lei Constitucional de 10.11.1975) de viés colonial, que, exclusivamente, foi aprovada pelo comité central e promulgada pelo presidente do MPLA. Por isso é uma “constituição” do MPLA emprestada, primeiro à República Popular de Angola, transitando para a República de Angola, vigorando até Fevereiro de 2010.

Uma Lei, paradoxalmente, distante da própria visão socialista, que diziam comungar e nos 60 artigos não consta nem o sistema judicial inquisitorial, nem a pena de morte, que tanto Agostinho Neto e clique idolatravam, “assassinamente”.

Agostinho Neto, na minha opinião e na de milhões foi um monstro político do mal. Medroso, covarde, que só tinha coragem de enfrentar os adversários se estivesse escondido por detrás de uma couraça blindada, baionetas e bombas.

Não se conhece, melhor, não conheço um debate, onde através de argumentos sólidos, tivesse convencido e “derrubado”, intelectualmente, os oponentes. De Mário Pinto de Andrade, Azancot de Menezes, Matias Miguéis, Paganini, comandante Miro, Daniel Chipenda, Nito Alves, José Van Dúnem, Guilherme Tonet, José Van Dúnem, nunca Neto teve bagagem intelectual para um confronto de ideias. Foi o maior divisor do MPLA e, nunca conseguiu a sua reconciliação, nem mesmo quando em visita de Estado, se cruzou com Mário Pinto de Andrade, em Bissau, como ministro da Cultura foi capaz de encetar uma reconciliação e convidar o ex-líder do MPLA a regressar ao seu país.

Por esta razão, não teve o MPLA pejo de condecorar assassinos e os elevar à condição de heróis nacionais, em decretos publicados em Diário da República. Sacanagem e falta de respeito às vítimas da barbárie.

Ludy Kissassunda e Henrique dos Santos Onambwe, director e adjunto da DISA, a GESTAPO angolana, Carlos Jorge “Cajo”, Pelinganga, Veloso, Wadjimbi, figuram na galeria de heróis do MPLA, pelo sangue derramado de inocentes.

A história tem vergonha, mas o MPLA ao invés da penitência da purificação, orgulha-se do mal cometido a milhões de autóctones angolanos e prossegue a sua marcha, na CIVICOP, onde tem medo de ouvir e integrar os verdadeiros sobreviventes do 27 de Maio de 1977. Pedir desculpas não é compaginável, depois com a exclusão e discriminação da outra parte. Reconciliação a uma só voz é possível apenas nas ditaduras.

Infelizmente, 42 anos depois do holocausto de 1977 vemos, ainda e, também, um pouco por falta de robusta união dos sobreviventes, o desfile garboso dos assassinos e torturadores, nos palanques do país, humilhando-nos, na legítima reivindicação de negociar, sim, mas em paridade.

Não deve ser permitido e, nesta hora, os camaradas, brancos e mulatos sofredores não podem continuar distantes da maioria preta, quando partilhamos as mesmas celas e sevícias. Mas mesmo estando estes, em piores condições, sem pensões de reforma (ou, os que as têm, auferem míseros 23 mil kwanzas), subsídios, emprego, mantém acesa a chama da honra e fidelidade aos nossos heróis: Nito Alves, José Van Dúnem, Rui Coelho, Alberto Tonet, Nandi Kassanji, Sita Vales, Fernando Tonet, Mirita, Monstro Imortal, Luís Kitumba, Tilú Carvalho e tantos outros partidos no 27 de Maio de 1977, não aderindo ao exército dos bajuladores e traidores.

Em 2024, devíamos todos ser competentes em intentar de forma mais robusta a acção junto da Comissão da Tortura e Genocídio das Nações Unidas, para resgate dos direitos vilipendiados dos 80 mil assassinados, sem julgamento, no holocausto cometido pelo MPLA e seu líder, considerado herói.

Aceitar, que Agostinho Neto o seja, por uns, é legítimo, pela nossa visão e tolerância democrática, mas querer que a aceitação seja extensiva a todos, incluindo a quantos ofendeu e assassinou; NÃO!

Sou um cidadão comprometido com a visão de esquerda, onde os pobres devem ser emponderados e a miséria, fome, desemprego, injustiça, discriminação, banidas das linhas mestras de uma sociedade que se quer de direito e democrático.

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